09 janeiro 2018

O CÉU TEM QUE ESPERAR

Quando Pedro ficou sabendo que Sofia estava grávida do primeiro filho, estava na estrada rumo a visitar um cliente distante, que lhe renderia uma boa comissão. - Amor! Amor! Deu positivo! Deu positivo! Sofia passava o tempo todo conectada, seguindo os passos do marido aonde ele ia. Pedro sempre foi fiel à Sofia, não dava motivos para ela desconfiar de qualquer coisa, mas como ficava conectada, Pedro tinha que estar o tempo todo online. - Querido! Não se esqueça de trazer as batatas fritas, vem logo para não chegarem frias e tem que ser as do Mcdonalds. Se estiver fechado, tenta o drive thru! Existem casais que foram feitos um para o outro. Esse era o caso de Pedro e Sofia. As manias de Sofia não perturbavam Pedro, o que, diferentemente, se fosse casada com outro homem, com certeza o casamento não daria certo, pois na concepção de vários amigos, Sofia era verdadeiramente uma chata em pessoa! Querido! Onde você está? Já mandei várias mensagens e não responde. Você está online? Sofia e Pedro tinham resolvido não saber antecipadamente o sexo do bebê, mas ele ficou muito ansioso. Ela sabia que Pedro tinha preferência por um menino, mas se viesse uma menina, ele ficaria contente do mesmo jeito: - Compra tudo branco, amarelo ou verde! Não amor! Vamos saber antes! Sei que está ansioso por isso! - Está bem! Sofia realizou o pré-natal e tinha consultas todos os meses. A gestação transcorreu normal, só que de vez em quando, Sofia “judiava” de Pedro, que fazia tudo que ela queria na mais perfeita tranquilidade.  - Estou com vontade de comer caju! Eu estou dirigindo amor! Quando eu chegar em casa a gente combina! Quero agora! Estou com vontade agora! Tá bom! Vou passar no supermercado antes de voltar para casa Te amo!  - Também te amo amor! Pedro estava numa excelente fase em sua vida profissional. Corretor de Seguros, atendia vários clientes em todo estado, grandes empresas, que lhe garantia uma excelente remuneração. Quando chegou o dia da ultima consulta do pré-natal, Pedro e Sofia resolveram saber o sexo do bebê: Se fosse um menino, seria batizado como Pedro Junior e se menina, Stephanie. O médico posicionou lhes que estava tudo bem, que o bebê estava na posição correta para o parto e, mostrando a eles no monitor, informou que nasceria um meninão. Pedro deu pulos de alegria e fez o maior escândalo no consultório médico, como se a criança tivesse nascido! - Mãe! Vai ser um menino! Pedro Junior! - Que bom minha filha! Liga para seu pai! Os pais de Sofia eram separados e ela não se dava bem com o pai e só falava com ele, às vezes, pelas redes sociais, cujo Sofia era vidrada e “viciada”: - Amor! Agora você já pode comprar tudo azul, até o berço! - Sim querida! Vamos comprar tudo azul! Pedro não cabia em si de alegria e mais importante para ele foi que Sofia estava bem, alegre e tranquila. Só faltava formalizar junto ao hospital sua assistida ao parto, onde também iria filmar e registrar o grande momento de sua vida. Pelo cálculo do médico, o bebê iria nascer bem próximo do aniversário de Sofia, dia nove de novembro, o que seria mais uma grande alegria! Já pensou amor! Nascer no mesmo dia do seu aniversário! Seria incrível! Vou ter que desconectar amor! Estou dirigindo e não posso ser multado. À noite a gente conversa. - Não saia não amor! Vamos continuar conversando! - Não dá não! Olha aqui! Quase bati o carro! Sofia usava todas as redes sociais para conversar com Pedro, o dia inteiro. Pedro viajava muito de carro para visitar os clientes e fechar seus negócios e ela o tempo todo no pé dele. O risco de ele sofrer um acidente era iminente, pois Sofia não sossegava e o telefone smartphone ou o laptop era como se fosse parte de seu corpo: Não existia sem eles. A preocupação de Pedro começou quando tiveram o primeiro alarme falso: Pedro estava na estrada, vindo de uma reunião com um cliente e Sofia mandou-lhe um messenger dizendo que estava sentido fortes dores. Se o Junior estivesse mesmo nascendo, Pedro não chegaria a tempo de assistir o parto, filmar, fotografar, como tanto queria. Assim, como seus negócios estavam prósperos, Pedro resolveu se ausentar do trabalho até que Junior nascesse. Então Pedro começou a passar os dias paparicando Sofia até chegar a hora do parto. Pedro Junior ainda não tinha nascido, mas já fazia parte de um grupo numa rede social onde existiam membros das famílias, tinha também o nome gravado na camisa do time de futebol preferido do pai, não o da mãe, e o quarto estava todo azul, exceto o berço que ficou na cor branca para dar um aspecto de céu ao quarto: - Querido! Onde você está? - Estou no mecânico fazendo a revisão do carro! - Corre pra casa querido! Acho que chegou a hora! Sofia não esperou por Pedro e seguiu de taxi para a maternidade, junto com a mãe e uma irmã. Estava tudo bem com Sofia, o bebê iria nascer, estava tudo sob controle. Pedro teve que ficar esperando o carro ficar pronto, mas preocupado, pois não teria como chegar a tempo de assistir ao parto. Saiu da oficina em disparada para a maternidade. Estava chovendo muito naquela tarde e a pista escorregadia. Pedro dirigia além dos limites e as mensagens de Sofia não paravam de chegar em seu smartphone, a todo o momento: - Chega logo querido! Vem logo! Corre! - Amor! Onde você está? Vem logo! Ao passar por um túnel que ligava os dois lados da cidade, Pedro não se deparou com a pista irregular e um carro quebrado do lado direito. Não teve visibilidade o suficiente e justamente quando estava respondendo uma mensagem de Sofia, - “Querida, eu te amo”, bateu violentamente na traseira de um carro furgão que seguia lentamente à sua frente: Foi fatal. Imediatamente o trânsito parou e as pessoas desciam do carro para socorrer Pedro, mas ele teve morte instantânea, preso entre os ferros retorcidos que sobraram do veículo. Na pista, o smartphone ainda tocava insistentemente, além das várias mensagens deixadas em sua caixa postal, conforme apurado pelos bombeiros que o socorreram: - Nossa! Que batida feia! Mas... Esse é o meu carro! Estou vendo pela placa! E aquele corpo deitado no chão todo quebrado é o meu! Sou eu! Mas... Como pode ser! Sou eu! Eu morri? Mas eu aqui, estou vendo! Que luz forte é essa? - Calma aí! Não quero subir! Eu preciso correr para a maternidade, pois meu filho Junior está nascendo! Cadê meu celular? E agora! Sofia vai me “matar”! O que sobrou do acidente foi o celular de Pedro, por onde a polícia chegou a um dos parentes para dar a terrível notícia. Sofia teve o bebê, que nasceu de parto normal e com saúde. Quando souberam da noticia sobre a morte trágica de Pedro, os médicos acharam por bem mantê-la sedada, até que achassem uma melhor maneira para dar-lhe a notícia. Quando ficou sabendo, Sofia custou a acreditar, pensando ser uma brincadeira. Quando a ficha caiu, como se diz na gíria, Sofia teve que ser sedada novamente. No velório de Pedro, como não poderia deixar de ser, a tristeza foi comovente e Sofia não parou de ser consolada por familiares e amigos: - Nossa! Meu Deus! Aquele sou eu! Eu estou no caixão! Eu morri... Mas preciso entregar a camisa do meu filho! Cadê meu filho?  Ei Deus! Não posso subir agora, tenho que entregar a camisa do meu filho! Espere mais um pouco... O céu tem que esperar. - Ei querida! Querida? Olhe para mim, estou aqui, não está me vendo? Querida? Ei vocês! Ninguém está me vendo? Pedro ainda não havia se acostumado com seu "estado de morte" e não sabia o que fazer: - Querida! Você precisa pegar a camisa do Junior. Eu deixei no fundo da minha gaveta onde guardo as minhas camisetas... Vai logo que não sei até que momento o céu pode me esperar! Se morri, por que ninguém vem me buscar? Eu não sei como chegar ao céu. Mas será que vou mesmo para o céu? Pedro foi sepultado e Sofia não conseguia tirar a tristeza do rosto, nem da alma. Vivia choramingando pelos cantos e não falava com ninguém. Pedro Junior nasceu com saúde e com a cara do pai e esse foi o único motivo para Sofia continuar vivendo: - Sem meu amor eu quero morrer. Dizem que quando morremos inesperadamente e deixamos algo muito importante pendente de realizar, Deus nos concede “um tempo” antes de seguirmos definitivamente para a vida eterna e Pedro sonhava com aquele momento de poder vestir seu filho com a camisa do time de futebol preferido com o nome do filho nas costas: - Pelo estado que ficou o carro, pensei que eu estaria todo quebrado aqui, a caminho do céu, mas não senti e não estou sentindo dor nenhuma e “alguém” já está me chamando para subir, mas tenho que entregar a camisa, tenho que fazer Sofia descobrir onde está a camisa. Eu consigo ouvi-la, mas ela não me ouve, ninguém me ouve e eu preciso que ela vista a camisa no Pedro Junior para que eu possa seguir em paz! Ainda bem que não tenho sono, fome ou coisa nenhuma, só sinto uma vontade imensa de fazer com que Sofia atenda o meu pedido e eu possa ver meu filho com a camisa. Acho que Deus só está esperando isso para que eu vá embora para o céu... E tomara que seja mesmo o céu... Tem que ser o céu, pois eu fui um bom homem na terra. Mamãe, hoje é o dia da missa do sétimo dia da morte do Pedro. Encontro com a senhora na igreja! Beijos! A igreja ficou lotada. Os amigos do trabalho, os familiares e até as antigas namoradas estiveram presentes. Todos comentavam da tristeza da perda de um grande cara que foi o Corretor de Seguros Pedro Antonio de Figueiredo e o azar que teve por morrer justamente no mesmo dia do nascimento do filho que tanto queria presentear com a camisa do clube e com quem sempre imaginou brincando, educando e sendo seu parceiro para a vida toda, que infelizmente foi abreviada por um gravíssimo acidente de carro. Após a missa Sofia voltou imediatamente para casa, pois não queria muita conversa para não ficar a todo o momento tristonha pelo acontecido. Preferia ficar confinada em sua casa, cuidando de Pedro Junior e conectada nas redes sociais quando quisesse desabafar com alguém, porém sabia que sua vida teria de mudar, pois precisaria trabalhar, voltar a estudar, não depender apenas da pensão que Pedro iria deixar: Precisaria mudar a sua vida e tentar ser feliz novamente, por mais difícil que poderia parecer. Ei Sofia! Sofia! A camisa está na ultima gaveta da cômoda do nosso quarto, junto com minhas outras camisetas. Pegue por favor, vista no Junior que eu já estou sendo “pressionado” para ir embora para o céu! - Nossa Sofia! Como você está bonita! Pena que não consigo te agarrar meu amor! - E você Junior! Nossa! É a minha cara mesmo! Sorria para o papai! - Mamãe, amanhã a senhora pode ir comigo no advogado? Tenho que cuidar dos papéis do Pedro, do seguro de vida e tudo mais. Aos poucos Sofia foi se desvinculando da tristeza, pois não poderia ficar naquele estado a vida inteira. O seu amor por Pedro será eterno, como ela dizia, mas o mundo não havia se acabado e ela tinha uma grande missão: Criar o filho, fruto de seu grande amor vivido com Pedro e abreviado inesperadamente. - Vou viver em função do meu filho e sempre terei meu eterno amor em minha memória! Sofia reagia a cada dia, mas as recaídas eram frequentes e nos momentos de tristeza sentia que Pedro estava ao seu lado, tentando conforta-la, pedindo para que seguisse a vida. Muitas vezes sonhava com Pedro e os sonhos eram tão reais que ela duvidava que ele estivesse morto. Uma vez o sonho parecia tão real que Sofia acordou abraçada ao travesseiro, como se estivesse abraçando e beijando Pedro: - Eu senti até o gosto do beijo! Sofia sabia que Pedro estava por perto, pois tinha muita fé em Deus e acreditava que em espírito Pedro estava olhando por ela e pelo filho Júnior. Não quis se desfazer de nada que pertencia a Pedro, como roupas ou objetos, manteve-os como sempre estiveram, guardados e arrumados, para poder recordar. Dizem que devemos nos desfazer dos pertences dos que já morreram, mas para Sofia, o que mais queria era estar com Pedro em pensamento, a todo o momento, mesmo que causasse tristeza, mesmo que não fosse bom para ela se recuperar da solidão. Depois de um tempo, Sofia mudou completamente a sua vida, largou o luto e começou a trabalhar como corretora de seguros, mesmo trabalho que Pedro exercia. Pegou a mesma carteira de clientes e captou novos e assim seguiu sua vida. A maior parte do tempo trabalhava em casa, em home office, e quando precisava sair para visitar clientes, sua mãe quem ficava cuidando do filho. Isso fez com que Sofia se distraísse, não ficasse somente pensando na falta que Pedro lhe fazia e assim pode cuidar do filho da melhor forma possível. Porem, com o passar do tempo, os negócios começaram a ficar escassos. O mercado parou em função da recessão no país, troca de governo, aumento de impostos, e a situação ficou difícil. Sofia teve que cortar alguns gastos e tirar o filho da escola particular. Estava vivendo um momento muito delicado e certa vez quando estava tomando um café, com a cabeça em outro mundo, uma senhora apareceu e lhe perguntou: - Minha filha, você está se sentindo bem? Às vezes uma palavra basta para a pessoa desabar na melancolia, desabafar e pedir socorro mesmo pra quem a pessoa não conheça. Sofia estava desolada e precisava desabafar e aquela senhora apareceu em boa hora. Ficaram horas e horas conversando, trocaram telefones e prometeram se encontrar novamente. Ao chegar em casa notou que algo estava errado. O semblante de sua mãe era de uma mulher assustada, muito assustado. Sofia entrou correndo no quarto e percebeu que Junior não estava bem: - Ele está ardendo em febre. Já ministrei uma medicação, mas não está tendo efeito. Disse sua mãe. Sofia pegou o menino no colo e ele estava muito quente. Junior não chorava, apenas mantinha os olhos fixos nos olhos da mãe, como que se não tivesse forças para chorar. - Mamãe, não vamos esperar mais. Vamos leva-lo ao pronto socorro. Ao chegarem no pronto socorro, dirigiram-se imediatamente para o setor de urgência e emergência. Junior estava no colo da avó, que despercebida, não se deu conta que o menino estava com uma fisionomia muito estranha. Uma médica se apresentou para examinar o garoto e ao pegá-lo no colo, chorou. A médica chorou. O menino estava com os olhos fundos, de fisionomia estranha, sintoma agudo de desidratação. Junior começou a chorar e naquele momento até que foi bom, pois mostrava algum tipo de reação do menino. Sofia estava por um fio, a ponto de estourar e se desesperar, mas manteve a angustia, sem deixar o desespero lhe apoderar. Uma equipe de médicos e enfermeiros começaram os procedimentos para tratar do menino. Sofia e sua mãe permaneceram muito aflitas na sala de espera. As horas foram passando e a angustia aumentando, até chegarem ao desespero: - Como ele está Doutor? - O estado dele inspira cuidados. Estamos realizando todos os procedimentos, mas ele precisa reagir. O dia amanheceu e Pedro Junior ainda estava em estado grave. Os médicos pediram para que Sofia ficasse com o garoto no colo, tentasse fazer com que ele se movimentasse, reagisse, pois a medicação somente não estava surtindo efeito rápido. O garoto não reagia, não chorava, mas também não esboçava sorriso e não queria se alimentar, ficando apenas no soro. No terceiro dia de internação Junior esboçou uma melhora, mas foi aparente. - Chamando Doutor Esteves! Emergência! A insistência no chamado pelo autofalante despertou Sofia, que descansava na sala de espera: - Emergência! Quarto 411. EmergênciaO quarto 411 era o que estava Pedro Junior. O estado clinico do menino havia piorado.  - Vamos transferi-lo para a UTI! Sofia, naquele momento, ficou impedida de acompanhar o filho na UTI, abraçou a mãe e chorou muito, tanto que teve de ser sedada, pois seu desespero era enorme. Enquanto os médicos ficaram full time cuidando de seu filho na UTI, Sofia adormeceu com os medicamentos que recebeu. Sua mãe havia voltado para casa e não ficou sabendo da reviravolta negativa no estado de saúde de Pedro Junior. É você querido! Venha logo! O Junior não está bem! Amor, o que está acontecendo? Você pode me ouvir? Nosso filho! Não está bem! Está na UTI! UTINa manhã seguinte, Sofia foi despertada por sua mãe. O efeito dos sedativos havia passado e ela se desesperou a contar à mãe que Junior não estava bem. Os médicos deram permissão para que somente Sofia fosse vê-lo na UTI. - Senhora Sofia, Seu filho permanece sem nenhuma reação. O estado de saúde dele é muito grave. Estamos fazendo todos os procedimentos possíveis para reverter o quadro, mas não tivemos sucesso até o momento. É preciso ter muita calma nesse momento difícil. Vamos continuar cuidando do seu filho da forma mais adequada. Tenha fé, reze, ore... Isso vai ajudar. Esse foi o relato do médico. Frio e seco. Sofia resolveu esperar mais um pouco antes de entrar na UTI. Tinha algo a fazer. Entregou algumas peças de roupas que sua mãe havia trazido para as enfermeiras trocarem o menino, fez suas preces, suas orações. Ela sempre teve fé, muita fé. Disse à sua mãe que queria ficar sozinha na sala de espera, o que foi respeitado:  Pedro! Onde você está? Eu pedi a Deus para falar com você! Pedro me responda, por favor. Nosso filho não está bem! Ele precisa muito de você! Quando finalmente Sofia se dirigiu para a UTI, percebeu que existia no interior um enfermeiro que ficava a todo o momento fazendo anotações numa folha de papel, como se estivesse escrevendo um prontuário. - Ele está reagindo! Ele está reagindo! Ele está olhando pra mim! Ele sorriu! Sofia chamou imediatamente os médicos, que ao verem o menino sentado na cama, sorrindo, brincando com a mãe, fizeram cara meio que de espanto e felicidade. - Inacreditável ! - Mamãe, estou com fome! Os médicos pediram para buscar o prontuário do menino, quando Sofia indagou que o documento estava com o enfermeiro: - Que enfermeiro? Aqui na UTI somos somente em dois médicos! - Mas eu vi um enfermeiro aqui dentro fazendo várias anotações e ministrando alguns remédios... - Bom... O pior passou. Vamos mantê-lo em observação por mais quarenta e oito horas! Depois de uma semana Pedro Junior já estava em casa. Forte, feliz, correndo de um lado para outro e fazendo a maior bagunça com os brinquedos espalhados pela casa. - Mamãe, eu ainda não tinha visto aquela camisa que você levou para trocar o Junior no hospital: - Que camisa? - Aquela de um time de futebol e que tem o nome dele escrito nas costas. Achei muito bonita! - Bom... Eu também achei muito bonita! - Ei querida! Sofia! O Junior está curado! Eu recebi a sua mensagem! Ele ficou lindo com a camisa! Sua mãe achou na gaveta conforme indiquei. Agora preciso ir, pois o céu não pode mais me esperar! Vejo ao meu redor vários entes queridos sorrindo para mim. O caminho é estreito, mas cabe todo mundo. Estamos sendo guiados por raios de luzes! Sinto uma paz enorme e não sinto nenhuma dor. Deus soprou carne aos meus ossos mutilados e as minhas feridas se secaram, desapareceram! O lugar para onde estou indo deve ser mesmo maravilhoso! Deus me disse! Sei que de lá do céu vou poder ver você e ao nosso filho, rezar por vocês e amenizar a saudade, pois não existirá a tristeza alguma e um dia sei que vamos nos reencontrar! Que assim seja!
ANTONIO AUGGUSTO JOÃO

01 janeiro 2018

JESUS CHOROU

Eu só conseguia enxergar as luzes da ambulância que e os olhos arregalados da paramédica monitorando meu coração. O barulho externo era evidente, a ambulância estava em alta velocidade, mas eu não ouvia nada, um silêncio, uma paz estava dentro de mim e em nenhum momento me vi desesperado. Será que Deus nos prepara para o momento da “virada”, quando passamos desta vida para outra? Pensei, calei. A paramédica olhava constantemente para os meus olhos e para os sinais dos aparelhos que estavam ligados por um monte de fios no meu peito. Quando chegamos ao pronto socorro existia uma equipe de médicos e enfermeiros me aguardando na recepção. Quanta honra! Pensei, lembrando que na minha vida eu nunca tinha perdido o senso de humor. Uma gritaria tomava conta dos profissionais que me atendiam. O corredor que ligava a entrada do pronto socorro até a sala de emergência era estreito e gelado e uma gritaria e correria dos profissionais era tão intensa que parecia que a dor era mais intensa neles do que em mim. - Vamos fazer a reversão elétrica! Disse um dos médicos que me atendia. - Anestesista, anestesista! Suplicava o médico. Em pensamento, pedia a todos que tivessem calma e, em silêncio, comecei a rezar. Um filme da minha infância passava constantemente na minha mente e eu me via segurando na mão da minha querida mãe. De uma hora para outra me senti como se estivesse levitando. Eles percebiam que eu acompanhava desde o início todos os “trabalhos”. O efeito da anestesia foi muito rápido e me senti no intervalo entre deitar-se numa cama e pegar no sono. Sentia frio e calor ao mesmo tempo e nos últimos segundos da minha lucidez tive a nítida impressão que do quadro que ficava no alto da parede da sala de emergência, Jesus olhava para mim com um semblante de quem estivesse pedindo calma, muita calma e paciência. Das ultimas vezes em que havia sido anestesiado, me via num sonho como se tivesse regredindo ao passado, à minha infância e de certo modo fiquei ansioso, pois sabia que iria rever os meus entes queridos. Se morrer significasse aquilo que eu estava sentindo, então eu estava tranquilo, pois não sentia dor alguma e eu estava numa paz de espírito tão grande que não via a hora de me encontrar com Jesus Cristo: - Como será que ele vai me receber? Logo na chegada vou dar-lhe um abraço bem forte e não vou esperar muito para perguntar sobre meu pai, minha mãe e minha filha, principalmente. Claro que vou querer ver todo mundo e também a minha avó que muitas vezes me livrou das chineladas da minha mãe. Eu estava num corredor estreito, iluminado por luzes amarelas e pelos raios do sol. Não tinha ninguém ao meu lado e fui descendo como se estivesse escorregando num tobogã. A descida terminou e cheguei num imenso jardim. O dia estava muito bonito, como nas manhãs de primavera e os bem-te-vis cantavam forte e davam voos rasantes entre uma árvore e outra. As árvores eram frutíferas, só que eu não conseguia distinguir quais frutas eram. Por vezes colocava a mão no meu peito que ardia como se eu estivesse pegando fogo. Era como se estivesse com um ferro de passar roupas grudado no meu peito. Ouvia vozes, não sabia de onde vinham... - Desfribilador, desfribiladorAlguém estava desesperado. De uma hora para outra, percebi que uma força me conduzia para algum lugar, não sabia onde, mas que era muito agradável estar ali. Eu vi o sol. Eu vi um lago de águas azuis cristalinas e não me contive e rolei no mato que tinha gosto de framboesa. - Onde está todo mundo? Indaguei a mim mesmo. - Onde está Jesus Cristo? Por que está demorando pra vir me buscar?   Eu estava ansioso demais para dar-lhe um abraço bem forte e pedir para Ele me levar onde eu pudesse encontrar as pessoas que eu amo e que tinha muita saudade. De repente me vi sentado num lugar que parecia uma capela. Pensei que iria participar de alguma missa ou que eu teria que me confessar com algum padre antes de abraçar Jesus Cristo: - Seu padre, seu padre! Olha eu aqui! Ele fingiu que não me viu, não estava de batina. Estavam todos de branco e parecia mais com um médico do que um padre. Aquele lugar parecia mais um hospital do que uma igreja. Resolvi sair daquele lugar e voltar onde eu podia ver o sol e os pássaros: - Vou procurar alguém para conversar. Pensei! Resolvi dar um mergulho no lago. As águas estavam calmas. Antes de mergulhar consegui ver meu rosto refletido nas águas:- ? Esse sou eu? Eu parecia ter ficado bem mais jovem! Olhei para o meio do lago e vi uma menina nadando. Era muito pequenina, achei que ia se afogar e nadei até alcançá-la. - Quem é você? Ela não respondeu, mas sorria muito e a sua fisionomia não era estranha, mas não conseguia me lembrar de onde eu a conhecia. - Ei menina! Menininha! Você sabe onde posso me encontrar com Jesus?  Ela não me respondeu, mas parecia que estava me levando para algum lugar. Nós saímos do lago e ela segurou na minha mão e passamos a percorrer por dentro do jardim. Os pássaros também ajudavam a menina a me guiar. De longe avistei um casal de velhinhos, pensei que fosse Jesus conversando com a avó daquela menininha. Ao me aproximar, a menina, como se fosse num passe de mágica, sumiu e o casal de velhinhos ficaram de costas para mim. - Ei meu senhor! Minha senhora! Vocês viram para onde foi uma menininha, assim, assim, pequenina? - Logo ela volta! Respondeu o velhinho! - Por acaso o senhor sabe como eu faço para me encontrar com Jesus? - ELE está entre nós! Respondeu a velhinha simpática! - A senhora se parece muito... Por acaso... Não, não... - Você precisa voltar menino! Completou o velhinho! - Olhem! Lá está a menininha! Eu vou brincar com ela! Tchau! A menina então me chamou pelo nome. Ela estava falando! Eu sabia que a conhecia de algum lugar! Mas de onde? - Quem é você? Qual o seu nome? E ela então respondeu: - Você não queria se encontrar com ELE, Olha ELE aí! As nuvens no céu estavam se movimentando rapidamente, de vez em quando as nuvens cobriam o brilho do sol e os pássaros estavam numa alegria tão grande que me deu até vontade de voar. Uma paz, uma tranquilidade tomava conta de mim e ao longe avistei o casal de velhinhos me dando adeus! Sentei-me num banco, no meio do jardim e vários pássaros ficaram ao meu redor. A menina apareceu pulando amarelinho e não parava de sorrir. Uma voz calma chamou-me pelo nome e disse que eu precisava voltar de onde vim e que sentiria muita saudade de mim, mas que ainda não era o momento de eu ficar ali, pois tinha muita coisa a fazer no lugar de onde vim. A voz vinha de bem perto de mim e de repente senti aquela voz embargada, soluçando, fraca, como a de alguém que estivesse muito, muito emocionado e ao me virar do banco do jardim em direção ao lago eu vi Jesus e ELE estava chorando! Jesus chorou a me ver sem as feridas, sem a expressão de sofrimento e com o coração batendo normalmente, o que representava a vida! Todos nós somos anjos prediletos de Jesus e quando nos curamos de algum mal por Sua interseção, por suas mãos sagradas de médico dos médicos, ELE chora, pois voltamos a viver com vigor! Jesus fica contente, se emociona, chora de alegria e contentamento, assim como nós! - Enfermeira, enfermeira! A reversão elétrica foi um sucesso! Ele voltou! Chame o Doutor! Os batimentos cardíacos e a pressão arterial estão normais e a fibrilação foi revertida. Vamos removê-lo para a UTI para um melhor monitoramento. Ele deve ficar em observação por quarenta e oito horas!
ANTONIO AUGGUSTO JOÃO

ELE VIVE

Para viver precisamos de alimento. Para que nosso corpo viva 70, 80 anos – quando muito – alimentamo-nos, diariamente, várias vezes. E para a nossa alma viver, não 70 ou 80 anos, mas eternamente, nós a alimentamos? Eis um assunto a ser pensado. Há diversos alimentos da alma: a oração, a meditação, a boa leitura, o estudo, a boa conversa, etc. Porém, de todos, o melhor é, sem dúvida, a Comunhão. Quando nos alimentamos com leite, carne, ovos, legumes, estes alimentos transformam-se em proteínas, vitaminas, sais minerais, etc. E, assimilados, passam a fazer parte do corpo – de nosso carne ou nosso sangue. Nós lhes somos superiores e os absorvemos. Quando nos alimentamos da Hóstia consagrada, passa-se o contrário. Este alimento (espiritual) nos é superior e nos absorve. Daí a frase de Santo Agostinho: "Não Vos humanizais em mim; eu é que me divinizo em Vós". Na Hóstia consagrada, a presença de Cristo mantém-se enquanto duram as espécies (de pão); Jesus fica presente na Hóstia de pão, que conserva sua matéria própria, com suas características de cor, cheiro, sabor, etc. O que muda é a substância – deixando de ser pão, para tornar-se Cristo – Por isso, este milagre é chamado de transubstanciação.  Na Última Ceia, no pão consagrado, os apóstolos não viram a aparência de carne. Também, no vinho, nenhum deles percebeu aparência de sangue. No entanto, eles acreditaram. "O interior de um ovo transforma-se num pássaro vivo – e a casca permanece a mesma" (S. Tomás de Aquino). Jesus não instituiu só para os apóstolos este sacrifício (incruento), em que os convivas se alimentam da Vítima. "Fazei isto em minha memória" – disse Ele, pensando em nós. E "isto em Sua memória", é a missa – em que nós somos os participantes. Na mesa (o altar), no ofertório, o sacerdote, representando Cristo, oferece pão e vinho. Quando, na consagração, ele repete as mesmas palavras de Jesus, o pão e o vinho tornam-se o Corpo e o Sangue do Senhor. Na Comunhão, nós nos alimentamos de Deus. Essas são as três partes essenciais da missa – repetição do que se passou na última Ceia e no Calvário. No Calvário, Jesus ofereceu-se de maneira sangrenta – o Cordeiro foi imolado. Nos altares, como na Ceia, o mesmo Cordeiro é oferecido ao Pai e entrega-se aos homens. No Calvário, o sacrifício foi cruento. Na Ceia e na missa é incruento. Mas o sacrifício é o mesmo. Porque mesmo é o Sacerdote e mesma é a Vítima. E mesma é a doação. Mesmo é o amor. "A missa procede do Calvário, de onde lhe vem a energia espiritual e salvífica; e procede da Ceia, de onde vem do modo incruento e tranquilo de realizar o mesmo sacrifício" Um é, pois, o Sacrifício – e perfeito. Por causa da Vítima e do Pontífice. E por causa da oblação – ato de Sua Vontade: "Porque Ele mesmo quis", como disse Isaías. E por ser Ele o Único que podia dispor de sua vida (Jo 10, 18). Por ter o valor da Ceia e da Cruz, a Missa atinge plenamente – e realmente – o que os antigos buscavam em seus sacrifícios. A Missa é o ato de culto em que, da maneira mais perfeita, se adora, louva e agradece a Deus, pedindo-lhe perdão e ajuda. É o próprio Cristo, o Filho de Deus, Sacerdote e Vítima, quem, por nós, adora, louva e agradece ao Pai; quem, por nós, ao Pai, suplica o perdão para os nossos pecados e o auxílio para a nossa miséria. Por isso, o sacrifício da missa (também chamado de Eucaristia, isto é, ação de graças) é o centro de toda a Liturgia Católica. É a oração mais perfeita, o ato mais sagrado que existe entre os homens. A missa não é simplesmente "uma assembléia de fiéis", em que todos se unem, dando as mãos. É muito mais do que isso. E a união deve ser muito mais profunda. Tendo o mesmo valor do sacrifício do Calvário, nela se encontra a mesma fonte de graças, de vida e santidade. Devemos participar. Comungando. Jesus – por nós – Sacerdote e Vítima, não nos pede, simplesmente, "a assiduidade nas cerimônias indolores. Ele nos pede a nossa dor e nos diz que nossa pobre dor habitualmente tecida somente de miséria, de medo, de tristezas e, à vezes, ate de revolta, sim, Ele nos diz que nossa dor pode e deve tornar-se fundida em Sua dor e assim poderemos, de algum modo, diuturnamente hiperbólico, completar no Corpo Místico o que faltou na Paixão". Ah se soubéssemos ser pequenas hóstias!           

INSUSTENTÁVEL

Fazia um tempão que Jair não passava um final de semana sozinho, sem a esposa e o casal de filhos. Trabalhador, pai dedicado e marido exemplar, Jair não poderia passar o final de semana com a esposa e os filhos, pois daria plantão no sábado e domingo em seu trabalho. Aproveitando, sua esposa e filhos resolveram ir para uma cidade do interior, distante duzentos quilômetros, visitar os pais e parentes. Jair trabalhava como enfermeiro chefe de um grande hospital e sempre foi muito responsável. - Tchau querida!  Tchau crianças!  Boa viagem! Jair se despediu da família na sexta feira à noite. Depois foi logo dormir, pois tinha que chegar ao hospital no dia seguinte às seis horas da manhã para a troca da equipe. Logo que chegou ao hospital pela manhã o clima estava pesado. Com o pronto socorro superlotado as equipes médicas com auxílio dos enfermeiros enfrentavam vários casos urgentes, comuns no dia a dia e principalmente nas madrugadas de sexta para sábado. Maria Helena era a auxiliar de Jair. Eles se davam muito bem na distribuição das tarefas, no auxílio aos médicos e acompanhamento dos pacientes. Jair dizia que Maria Helena era seu braço direito, fundamental para o sucesso, por assim dizer, no trabalho que eles executavam. Todos sabiam que Maria Helena tinha uma queda por Jair, mas Jair era um homem sério, bem casado, pai de dois filhos e Maria Helena respeitava essa condição, mas não deixava de confidenciar a alguns colegas que era perdidamente apaixonada por Jair. Maria Helena era uma mulher muito bonita, respeitadora, constantemente cantada por muitos homens, mas seu verdadeiro amor sempre foi Jair, que infelizmente para ela, muito bem casado. O sábado passou e no final do expediente, depois de doze horas ininterruptas, a equipe de Jair fez um balanço do dia: Foram treze salvamentos e dois óbitos. No dia a dia nos entristecemos com as mortes, mas vibramos quando conseguimos salvar uma vida. Salvar uma vida vale muito mais que se entristecer por uma morte, conceituada, evidentemente, Jair. Maria Helena foi ao vestiário do hospital para se trocar. Quando voltou encarou Jair como se fosse um anjo loiro de olhos azuis. Jair balançou e Maria Helena percebeu. Ela sempre foi uma mulher muito bonita e se surpreendeu quando Jair lhe fez uma proposta: - Se quiser podemos jantar juntos essa noite! Maria Helena nem pensou para dizer sim. Não poderia perder aquela oportunidade de ficar alguns momentos com o grande amor de sua vida. Jair achou que não havia nada de mais em convidar Maria Helena para jantar, pois afinal, eram colegas de trabalho e na cabeça dele não havia segundas intenções, aparentemente. Os dois foram a um restaurante bem perto do hospital e durante o jantar resolveram não falar sobre trabalho, sobre vida ou morte e Maria Helena se encantou quando Jair disse que ela era muito bonita. - Uma coisa era observar Maria Helena no estresse do trabalho e outra era estar diante de seus olhos, sem o barulho das sirenes e dos autofalantes das emergências. O jantar transcorreu de maneira muito agradável. Maria Helena percebeu que Jair estava vidrado e usou de sedução, palavras pausadas com sua voz rouca. Uma taça de vinho foi suficiente para relaxar, ficarem mais a vontade. Depois da terceira taça, estavam dançando de rosto colado ao som de músicas românticas cantadas com acompanhamento de um piano. De corpos entrelaçados e com a doçura de um perfume sedutor, não demorou muito para se beijarem e se abraçarem com garras de paixão. Ao final da noite estavam abraçados numa cama de motel. O domingo passou numa rotina normal de trabalho.  Jair e Maria Helena trabalharam normalmente nada foi comentado sobre a noite de amor. Na cabeça de Jair tinha sido uma aventura, um momento de prazer entre duas pessoas que se gostavam, mas sem compromisso e tudo teria terminado na manhã seguinte, quando os dois regressaram ao trabalho. Porém, na cabeça de Maria Helena, aquela aventura tornou-se um sonho real, alimentou uma paixão avassaladora, pois os dois se abraçaram, se beijaram e fizeram amor com intensidade de quem se ama. Na noite de domingo Jair saiu assim que encerrou o plantão. Queria voltar logo para casa para reencontrar a esposa e filhos que voltavam de viagem. Não se despediu de ninguém, saiu muito depressa e quando Maria Helena percebeu Jair tinha ido embora. Jair chegou em casa e passou o resto da noite com a mulher e os filhos. Estava feliz, pois no dia seguinte seria sua folga no hospital e combinou de passear com a família. Tarde da noite, após as crianças irem dormir, Jair ficou um bom tempo conversando com sua esposa antes de dormir. No meio da noite, acordou com cede e foi beber água. Quando voltou viu seu celular de luz acesa e foi verificar. Jair se assustou. Haviam vinte e duas chamadas perdidas em seu celular e as chamadas foram feitas por Maria Helena. Jair apagou as ligações e as mensagens e percebeu a enrascada que se meteu depois da noite com Maria Helena. Quando retornou ao trabalho, chamou Maria Helena para uma conversa e perguntou sobre as ligações.  Maria Helena disse que estava sentindo sua falta e que a noite que tiveram juntos teve um significado muito importante para ela: Estava apaixonada. Jair tentou convencê-la de que o que tiveram foi uma aventura e que tudo havia terminado na manhã seguinte, era um homem casado e não poderia ter um romance com ela. Ponderou ainda que o que tiveram foi uma caso passageiro, uma atração meteórica que culminou numa noite de amor. Maria Helena chorou muito e depois de uma longa conversa prometeu esquecer, prometeu que Jair ficaria guardado em seu coração, mas que respeitaria sua condição de homem casado. Alguns dias se passaram e Jair pensou que tudo estava resolvido. Os telefonemas se cessaram e no ambiente de trabalho ficou tudo normal. Maria Helena parecia que tinha se convencido de que o acontecido tinha sido uma aventura que começou numa noite, como bons amigos, numa mesa à luz de velas e terminou na manhã seguinte, numa cama de motel. Perto de completar mais um aniversário Jair estava muito feliz. Sua esposa prometeu que faria um jantar com seu prato preferido e alguns familiares compareceriam em sua casa. Por outro lado, Maria Helena voltou a insistir: Queria uma nova noite de amor como a que tiveram, mas Jair demoveu-a da ideia. - Você precisa entender de uma vez por todas que eu sou um homem casado. Amo a minha esposa e os meus filhos e o que aconteceu conosco foi um deslize de minha parte. Nunca dei a você qualquer esperança, tampouco lhe prometi alguma coisa. Vamos esquecer tudo, pois afinal ainda somos amigos, trabalhamos juntos e não podemos deixar nada transparecer em nosso ambiente de trabalho. Contemporizou Jair. O dia do aniversário de Jair chegou e a equipe de trabalho preparou um bolo e cantaram parabéns a você! Jair agradeceu, recebeu os comprimentos de todos e ao final do expediente se despediu emocionando:
 - Minha família está me esperando! Obrigado a todos! Jair voltou para casa ansioso pela comemoração de seu aniversário com seus familiares. Tudo estava perfeito em seu dia e ele estava muito feliz. Antes de servirem o jantar, uma surpresa: Uma visita até certo ponto inesperada. Enquanto Jair brindava com sua família e amigos, tocou a campainha e sua esposa foi atender: - Maria Helena! Querido! Olha quem chegou! Jair ficou com cara de poucos amigos. Não tinha convidado Maria Helena para o jantar, porém, não poderia deixar transparecer qualquer atitude inconveniente e acabou por receber Maria Helena à mesa. Sua esposa achou normal, pois Maria Helena era sua conhecida e sabia que trabalhava com o marido. Um pouco alegre pelas bebidas que havia consumido Jair não sabia o que dizer:- Veja querido quem chegou! Sua colega de trabalho! Para a esposa de Jair a situação, ou seja, a presença de Maria Helena em sua casa era normal, pois afinal, sua esposa sabia que ela era uma boa colega de trabalho de seu marido. Jair ficou constrangido e não sabia o que fazer diante daquela surpresa. Entretanto, procurou agir com a maior naturalidade possível, mas a situação começou a ficar preocupante, pois Maria Helena não lhe desviava os olhos e tudo aquilo poderia ser uma bomba relógio que explodiria a qualquer momento. E todos se sentaram à mesa para que fosse servido o jantar. Maria Helena, um tanto quanto deslocada não se intimidou e ficou conversando com Sofia de cinco anos, filha de Jair. Jair e sua esposa ficaram o tempo todo conversando com os convidados. O jantar foi bem sucedido, todos ficaram satisfeitos e o casal começou a se despedir dos convidados, um a um, até que ao final notaram que Maria Helena havia ido embora sem de despedir. De certo modo, Jair ficou aliviado, apesar da desconfiança de sua esposa quanto a Maria Helena. E enquanto se despedia do último convidado, ouviu-se um grito desesperador de Samanta, esposa de Jair: - Sofia! Sofia! Sofia não estava em casa, não estava no quarto, no quintal, em nenhuma dependência da casa. Jair não acreditou e percorreu a casa inteira feito um louco à procura da filha. Ligaram para todos os parentes e amigos e nada de saberem onde estava Sofia. Por fim, houve-se uma interpelação de Samanta: - Ela ficou o tempo todo com Maria Helena. Só pode ter sido ela. Jair, desesperado, ligava ininterruptamente para Maria Helena, mas só entrava na caixa postal. Enquanto isso Samanta ligou para a polícia e logo se fez um alerta com o retrato identificado de Maria Helena e da criança. Enquanto isso Jair era interrogado por Samanta e acabou contando para a esposa o envolvimento extraconjugal que havia tido com Maria Helena e que talvez, pela indiferença dele, o sequestro de Sofia poderia ser uma represália. Samanta não questionou Jair em nenhum momento sobre seu envolvimento com Maria Helena, pois, de certo, o sequestro da filha deixou-a fora de órbita, o que não fez com que ela digerisse a revelação do marido. A noite inteira se passou e a polícia não tinha nenhuma pista, além de que o envolvimento de Maria Helena no sequestro de Sofia ainda era uma suspeita que precisava ser comprovada. A situação estava insustentável.Tentando entender a realidade dos fatos, Jair foi confessar ao delegado do caso o motivo de sua suspeita.  Além do amor louco que Maria Helena tinha por Jair, o maior sonho era que tivessem uma filha, porém, Maria Helena sabia que nunca poderia ser mãe e toda sua loucura poderia ter feito com que tivesse sequestrado Sofia. O dia amanheceu e a polícia começou a investigar as denúncias que recebia, até que um telefonema delatava que uma mulher e uma criança com as características de Maria Helena e Sofia foram vistas no parque central da cidade. Foi num feriado, um dia bonito de sol e o parque estava cheio.
    Pessoas andando de bicicleta, fazendo exercícios, praticando esportes ou tomando sol na beira do lago, enfeitavam o lindo dia. Ao fundo do parque existiam algumas cabanas onde as famílias utilizavam para fazer piquenique e quando a polícia chegou, acompanhada de Samanta e Jair, encontraram Sofia, sozinha, brincando com outras meninas que havia conhecido no parque: - A tia Helena foi comprar comida! Ela disse que você iria chegar mamãe! Disse a criança inocente. Enquanto seus pais choravam e abraçavam Sofia, a polícia seguia alguns rastros que poderiam leva-los até Maria Helena. Sofia estava bem, disse aos pais que havia dormido no carro e que a tia Helena havia prometido trazê-la no parque para comerem algodão doce. Enquanto isso Maria Helena percebia que estava cercada e fugiu dirigindo seu carro em alta velocidade. Sofia voltou com Samanta para casa sã e salva, enquanto Jair foi com a polícia em perseguição a Maria Helena. A polícia estava no encalço e dificilmente Maria Helena iria escapar. Jair tentava a todo o momento manter contato, mas Maria Helena estava perturbada. - Não atirem! Não atirem! Ela não fez por mal! Jair ficou desesperado. Sabia que Maria Helena estava muito perturbada e aquele estado de loucura poderia ser revertido. Quando finalmente a polícia fechou o carro, Maria Helena fez uma manobra suicida e o carro capotou por várias vezes. Jair saiu em disparada para socorrer Maria Helena, que ficou presa entre os ferros retorcidos do carro destruído. - Cuidado! O carro pode explodir! Alertou o policial. E entre os escombros e um coração partido, Maria Helena, num olhar profundo, lamentou dizendo: - Eu não maltratei a nossa filha! Maria Helena se recuperou depois de quase trinta dias internada. Jair não deixou de cuidá-la um só momento e quando teve alta foi levada para um hospital psiquiátrico onde pagou sua pena. Quanto a Jair, foi perdoado por Samanta e se transferiu de hospital.
ANTONIO AUGGUSTO JOÃO