17 julho 2016

LIVRO - EM NOME DO PAI

Ainda menino, espelhava em tudo que meu pai fazia. Também tinha vontade de acordar bem cedo e sair para trabalhar como ele, mas eu tinha que atingir outros objetivos, como por exemplo, estudar.  Com apenas sete anos, muito novo para entender a vida na parte de ser um pai de família, como meu pai dizia que era. Costumava deixar alguns bilhetes debaixo do travesseiro do meu pai, pedindo para ele me acordar às quatro horas da manhã e me levar para a feira. Eu sei que ele lia os bilhetes, mas não tinha coragem de me acordar tão cedo, mesmo nos finais de semana ou nas férias escolares. 
       Num determinado domingo, depois de muitas tentativas, consegui acordar às quatro horas da manhã, no momento em que meu pai estava se preparando para sair. Estava muito frio naquela madrugada. Enquanto meu pai preparava o café, me arrumava, colocando todas as blusas que tinha, pois fazia muito, muito frio. 
       No rádio que funcionava à válvulas e ficava na cozinha, o Zé Bétio disse naquele dia que estava fazendo sete graus e que a temperatura iria cair ainda mais. Pensei em pegar uma blusa do meu irmão para garantir, mas na hora certa, desisti. 
        Nunca fui de tomar café, mas naquela ocasião achei que era uma boa ideia. 
O que você está fazendo acordado a essa hora moleque? 
       - Eu vou com você pai! 
       - Volta pra cama rapaz. Tá muito frio! 
       - Mas eu quero ir com você! 
       - Hoje não. Outro dia eu te levo! 
O frio foi uma boa desculpa e meu pai acabou me convencendo. Será que todas as madrugadas eram geladas como aquela? 
        - O que você está fazendo acordado há essa hora menino? 
       Era minha mãe.  Acabei levando a maior bronca enquanto pela janela via meu pai subindo as escadas em direção à rua. 
       Daquela vez eu quase fui com ele, mas eu não iria desistir. Quem sabe no próximo verão! Pensei. 
       Sempre tive medo de ir mal na escola, tirar notas baixas, pois assim, além de ser repreendido pelos meus pais, ficaria muito difícil fazer minhas reinvidicações. Percebia que com sete anos não tinha direito a nada, e na verdade não tinha mesmo. Meus pais estavam certos: Minha maior preocupação deveria ser os estudos para que no futuro pudesse me especializar em alguma profissão e prosperar. 
       Mas, o meu espelho foi sempre meu pai e queria ser como ele. O tempo passou e continuei bem na escola. Com dez anos, resolvi fazer mais uma tentativa. 
       Meu pai queria que eu fosse jogador de futebol e eu queria ser o meu pai. Até que fui um bom jogador. Jogava bem com os meninos da minha idade, mas não tinha como me inscrever em algum clube, pois exigiam a presença do pai ou da mãe, e meus pais não tinham como me acompanhar. 
       Quando chegou o natal, havia completado onze anos de idade. Na véspera, por volta da hora do almoço, estava jogando futebol na rua com alguns amigos quando estacionou um caminhão na porta de casa. Em meio a muitas buzinas, vi meu pai acenando. 
       Finalmente ele havia conseguido comprar um caminhão de carroceria para poder trabalhar na feira.  Até então ela pagava aluguel para um amigo transportar as mercadorias. 
Ele estava muito contente e todos ficaram também.  
        - Vamos dar uma volta! Chamou! 
Meu pai não sabia a dor de cabeça que estava arrumando, pois tanto eu como meu irmão queríamos guiar o caminhão. 
       - Pai! Agora você pode me levar na feira! Eu posso ficar na carroceria e se estiver frio eu me enrolo na lona! 
Meu pai prometeu que passando o natal ele me levaria na feira, e meu irmão também! 
       As festas de final de ano se passaram. 
       - E viva o verão! 
       Janeiro chegou e comecei a cobra-lo.
      Certa vez ele me chamou por volta das cinco e meia da manhã.  Acordei e escutei-o dizendo: 
       - Vamos moleque! 
O problema foi que meu pai chamava só uma vez. Se conseguisse acordar tudo bem, senão... Assim, muitas vezes ele me chamou, mas não conseguia acordar. Não estava acostumado acordar cedo. Eu estudava no vespertino e acordar cego sempre foi um sacrifício. 
       Às vezes cinseguia acordar e ouvia ele me chamando, mas num piscar de olhos eu dormia de novo. 
      Tentei fazer com que minha mãe me chamasse, mas ela achava que nos éramos muito pequenos para acordar cedo e fazer o trabalho passado, pois trabalhar de feirante exigia muita disposição física. Mas existe um ditado que diz que os sonhos existem para virarem realidade. 
        - Acorda! Acorda! 
        - Humm... 
        - Acorda logo! O pai já vai sair! 
Era meu irmão. Ele conseguiu acordar às cinco da manhã e enquanto meu pai estava no banheiro fazendo a barba, meu irmão veio me acordar. 
          - Anda logo dorminhoco e não faz barulho senão a mãe vai acordar! 
O plano do meu irmão deu certo. Ele acordou no horário e me chamou. Trocamos de roupa rapidinho, não estava fazendo frio – graças a Deus, e corremos para o caminhão que ficava estacionado na porta de casa. 
       Meu pai nem percebeu que subimos na carroceria e nos escondemos no meio dos sacos de batatas e nos enrolamos na lona que as cobriam. Meu pai saiu de casa vinte minutos depois que nos escondemos na carroceria do caminhão. 
       Entrou assoviando as músicas caipiras que ele ouvia no programa do Zé Bétio, ligou o caminhão e partiu rumo à feira. 
         - Onde vai ser a feira hoje? 
         - Na estrada de Santos. Respondeu meu irmão. 
         - Como você sabe? 
         - Não enche o saco! 
       No trajeto eu e meu irmão acabamos pegando no sono, escondidos na carroceria. O caminhão balançava muito e acordamos depois que passou num buraco na estrada de Santos: 
        - Que é isso? 
       - É um carro de polícia, preto e branco! Disse meu irmão. 
       O carro de polícia fez um sinal para meu pai parar. 
         - Será que fomos descobertos? 
         - Cala a boca! Respondeu meu irmão, nervoso! 
Nos não conseguíamos ouvir o que os dois policiais pediram para meu pai. Ele mostrou os documentos, mas no final da conversa ouvimos um dos guardas dizendo que iriam multar, pois os pneus trazeiros estavam carecas. Meu pai tentou argumentar, dizendo que era trabalhador, etc. Mas o policial lavrou a multa e deixou meu pai seguir. 
         - Será que falta muito pra chegar? 
         - Como eu vou saber? Nos nunca viemos nesta feira. O pai quem disse que ficava na estrada de Santos. 
De repente meu pai fez uma curva e entramos num declive muito acentuado e perigoso.  Existia muita neblina no local e meu pai limpava o para brisas com uma flanela, pois o limpador não estava funcionando. Pela carroceria a gente podia ver meu pai no controle do caminhão, só que em determinado momento nos pareceu que o caminhão estava sem freio, pois meu pai estava fazendo as curvas tangenciando sem sucesso. 
       Nos tivemos a certeza que o caminhão estava sem freio quando ouvimos meu pai dizendo um baita palavrão em voz alta. 
          - Vamos pular? 
          - Cala a boca! Meu irmão estava nervoso. 
Meu pai estava procurando uma oportunidade para jogar o caminhão contra o matagal, mas estava sem controle da direção.  
         - Meu Deus! É melhor ele não saber que estamos na carroceria! 
         - Cala a boca! 
Meu irmão ameaçou entrar pela cabine a partir da carroceria, mas eu não deixei. Enquanto isso meu pai tentava de todas as maneiras parar o caminhão. Ainda bem que a estrada estava vazia, sem nenhum veículo nos dois sentidos. 
           - Será que a gente vai cair no mar? 
           - Cala a boca! 
Meu pai usou o freio de mão ao mesmo tempo em que derrapou o caminhão em direção a um matagal. O caminhão entrou mata adentro e foi perdendo a velocidade até parar. Enquanto isso, eu e meu irmão vibrávamos na carroceria. 
         - Ainda bem que ninguém morreu! 
         - Cala a boca! O pai vai ficar muito nervoso quando souber que a gente estava aqui, escondido. 
         - Ainda bem que a ideia foi sua! 
         - Cala a boca! 
E após o caminhão ter parado por completo, meu pai saiu da cabine, subiu na carroceria, desenrolou eu e meu irmão da lona e disse: 
        - Podem descer moleques! Está tudo sob controle! Graças a Deus! 
        - Valeu pai!

TRECHO DO LIVRO

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