02 junho 2015

APARTAMENTO 173



Na manhã seguinte acordei atrasado e sentindo uma leve dor de cabeça. Resolvi tomar meu café na repartição, mas o aroma que vinha do rol quase me fez invadir o apartamento vizinho, o 173, pois foi de lá que senti o aroma de café.Ao fundo, suavemente, ouvia-se a música I Loves You, Porgy , de Nina Simone. Peguei o elevador ainda sentindo o aroma do café e descobrindo que o vizinho do 173 sabia fazer um delicioso café e gostava de ouvir Nina Simone. Na saída perguntei ao porteiro sobre os meus vizinhos e ele me passou que os apartamentos 171 e 172 estavam desocupados e constatei que meu único vizinho era o Apartamento 173. Talvez um casal em que a esposa deveria estar fazendo o café para o marido, antes de ele sair para o trabalho e que ambos adoravam Nina Simone.A minha rotina de trabalho era estafante. Muitos processos sobre a mesa me aguardavam para serem analisados e despachados. A primeira coisa que fiz quando cheguei à repartição foi pegar um café para tomar, pensando no café da minha vizinha. Será que era uma senhora? Resolvi que naquele dia, após o expediente, deveria bater à porta do apartamento 173 e me apresentar. Afinal, quando se mora sozinho, é sempre bom ter um vizinho que conheça seus hábitos para que você possa ser acudido numa emergência.A tarde chegou e encerrei meu expediente na repartição. Aquela leve dor de cabeça persistiu o dia todo e ao chegar em casa, troquei de roupa e fui fazer a minha caminhada na praça que ficava em frente ao prédio do Edifício Parque das Estrelas. Depois de alguns minutos de caminhada, resolvi sentar-me no banco da praça para descansar. Ainda sentia aquela leve dor de cabeça e comprei uma garrafa de água gelada para me refrescar. Subitamente, sentou-se ao meu lado, no mesmo banco da praça, uma mulher exuberante.Era uma mulher madura, acredito de seus trinta a trinta e cinco anos. Por alguns instantes acabei que confundindo em definir qual era o perfume mais sedutor, se o da mulher exuberante que sentou ao meu lado ou de todas as rosas que brotavam no jardim atrás do banco da praça.A minha dor de cabeça passou de repente e fiquei ainda mais fascinado quando nossas coxas se encostaram naquele banco de praça apertado. Tentei flertar seus olhos, mais os óculos de sol tinham lentes gigantescas, que impediam de eu ver seus olhos e o desenho de seu rosto.Suspirei, tomei um gole de água e fiquei ainda mais fascinado quando aquela mulher exuberante se levantou para ir embora e puder ver o formato de suas nádegas dentro de um moletom de lycra que desenhavam seu corpo de cerca de um metro e setenta e cinco centímetros, e que sincronizados, embalavam tamanha exuberância, exalando um perfume hipnótico muito mais sedutor que o perfume de todas as flores daquele jardim.
TRECHO DO LIVRO

01 junho 2015

QUE SE QUEBREM AS ONDAS DO MAR


...O que me restou foi um casebre abandonado e fechado, uma cabana velha, um jardim como nunca visto e uma paisagem magnífica em que eu podia ver as ondas se formarem, avançarem em direção aos rochedos e se quebrarem, como num sincronismo, como se aquilo determinasse o tempo, um ciclo de vida, uma rotina, como se aquilo fosse o relógio da minha subsistência. Alguns dias depois resolveria visitar o casebre. Queria alguma pista de tudo aquilo e de Billy, principalmente. Estava toda fechada e por algumas frestas podia ver que estava tudo bem arrumado, como se ainda tivesse alguém morando. Tentei abrir a janela, mas existia um trinco difícil de ser aberto. Quando apontei na porta da frente, notei que estava semi-aberta e com a força do vento, acabou se abrindo justamente quando eu acabara de me aproximar. Assim, entrei no casebre. Logo na entrada senti uma sensação agradável, certo conformo, como se aquele lugar fosse sagrado. Andei vagarosamente pelo casebre reparando cada detalhe. Os móveis estavam todos alinhados e quando cheguei ao quarto tive uma sensação de arrepio ao ver a cama onde a velha senhora esteve agonizando. A cama estava devidamente arrumada, com roupas novas e perfumadas. Os raios de sol clareavam o quarto de tal maneira que refletiam cores ao ambiente. O único detalhe que me perturbou foi o porta retrato que vi caído no chão. Talvez pelo vento, talvez no calor daquela reunião misteriosa que havia acontecido antes do sumiço do Billy. Ao recolher o porta retrato do chão, notei que, nele, havia o retrato de uma mulher serena. De olhos dominantes, cabelos avermelhados, estampando um sorriso capaz de hipnotizar quem o visse. Jurei que já havia visto aquele sorriso, aquele ar sereno, mas não conseguia recordar. Sente-me na beirada da cama e fixei meu olhar no porta retrato retorcido e dobrado pela queda. Embaixo da foto um nome que com certeza seria daquela mulher que refletia seus olhos aos meus e mesmo que em lado oposto do meu alcance, remetia a mim toda a sua observância. Senti uma ansiedade imensa para saber o nome daquela mulher e tive que desarmar a foto do porta retrato para que pudesse vê-lo. Assim que consegui, fiquei por alguns minutos examinando cada letra daquele nome que magicamente me fazia remeter a uma sensação de paz, alegria, felicidade, contentamento e harmonia: Laura Mars. Esse era o nome que autografava o porta retratos e com certeza era o nome daquela mulher hipnotizante, diferentemente daquela velha senhora que havia definhado naquela situação até certo ponto sinistra em que resultou no desaparecimento do Billy. No dia seguinte, ainda intrigante com o nome daquela mulher, resolvi voltar ao casebre, pois lá eu me senti bem e talvez recebendo um pouco mais de serenidade pudesse destrinchar o mistério daquela mulher. Assustadoramente, mirei-me ao jardim e já não existiam mais flores, os pássaros não faziam mais voos rasantes e por incrível que poderia parecer não existia mais o casebre, não existia mais nada. Deite-me na areia ceguei-me ao olhar para o sol escaldante e senti minha mente perturbada, confusa. Foi então que resolvi nadar até os rochedos na esperança maluca de poder encontrar Billy, de poder ter uma explicação para tudo aquilo que estava acontecendo comigo. Um imenso mar azul à minha frente foi o que me restou.
TRECHO DO LIVRO