24 junho 2014

POR UM TRIZ !

O médico estava desesperado e eu não sabia o que estava acontecendo. Eu não estava sentindo absolutamente nada e comecei a sentir um medo terrível quando dois enfermeiros entraram na sala para “socorrer” o médico, sim “socorrer o médico”, pois parecia que ele estava tendo um ataque de nervos. Quando os enfermeiros olharam para o monitor onde o médico, tremendo, apontava com o dedo indicador, eu desci da esteira e olhei também. Não sentia nada, pensei que o médico é que estava com algum problema, mas todos os fios e todo monitoramento estava sendo feito no meu coração. E foi quando eu ouvi a palavra “morte súbita” que me desesperei. Achei que eu estava morrendo e que o médico e os enfermeiros estavam tentando descobrir a causa. Mas como? Eles olhavam para mim, todos com cara de choro e eu olhava para o monitor tentando entender alguma coisa, quando perguntei:

- Meu coração está parando?

Ninguém respondeu. Ouvi alguém dizer que a ambulância já estava chegando. Pediram para eu deitar numa maca e retiraram os fios do meu peito. Será que Deus está me poupando, pensei? Li em alguns livros que quando você está prestes a morrer, Deus te pouca do sofrimento e na verdade você não sente nada, pois instantes de morrer você sai do corpo e se transforma em espírito, sendo que em alguns casos você pode até assistir sua própria morte. Comecei a rezar baixinho, pois sei que Deus pode me ouvir, pode ler meu pensamento. Pensei nos meus filhos, pensei nos meus irmãos, pensei em escrever em um papel as senhas e os códigos para que alguém do escritório pudesse dar sequencia ao meu trabalho. Pensei e via a imagem de Nossa Senhora Aparecida. A ambulância chegou e eu fui colocado preso numa maca.

- Cadê o desfibrilador? 
Perguntei ao motorista da ambulância, pois o médico havia sumido e os enfermeiros olhavam para mim como se eu fosse um E.T.

- Vamos seguir para o Hospital Paulistano. Disse o motorista, que também estava vestido de branco, como nos filmes espíritas que eu já havia assistido.

Ouvi o motorista dizendo e um dos enfermeiros mencionando mais uma vez a palavra “Morte Súbita”.
- Você tem o telefone de algum parente seu? Perguntou o médico, que apareceu na ambulância e não estava mais chorando.

Eu dei o telefone do meu irmão e pedi para dar um recado para os meus filhos que tinha comida na geladeira e que eu tinha deixado na primeira gaveta do meu criado mudo, algum dinheiro para eles comprarem lanches na escola e pagar a perua escolar do Tio Barriga.

- Mas doutor, o que está acontecendo comigo?
  Eu tive um infarto, meu coração parou? Eu vou morrer?

O médico não respondeu nenhuma das minhas perguntas, só disse para o motorista vestido de branco pisar fundo e rápido para o Hospital Paulistano. E quando eu ouvi pela terceira vez a palavra “Morte Súbita”, uma lágrima começou a escorrer do meu olho esquerdo. Eu olhava pela janela da ambulância e via todo mundo saindo da frente para eu passar. Eu pensei em fechar os olhos e esperar Deus vir me buscar. Deus estava demorando, mas não fazia mal, pois eu não estava sentindo dor nenhuma, só estava preocupado com a bagunça que meus filhos poderiam fazer na cozinha, pois eles não costumavam lavar as louças depois do jantar. Pensei numa rosa sobre à mesa, na sala de estar e uma mulher de cabelos longos batendo a porta violentamente, até sumir numa nuvem branca. Eu tentei chorar pra valer, mas as minhas lágrimas se secaram, colocava a minha mão sobre o meu peito, mas não sentia a batida do meu coração. Me vi caminhando num jardim de terras negras, rastros sem saída, de plantas murchas e as rosas não tinham cheiro. Talvez o médico tivesse aplicado alguma injeção e eu estava delirando, mas eu estava ansioso para que Deus pudesse vir me buscar logo, pois a ambulância estava correndo depressa demais e poderia ocorrer um acidente. Mas, as lágrimas chegaram. E chegaram feitas águas escuras, escusas, como rios em correntezas.

- Eu vi a minha mãe.

Era uma senhora de cabelos brancos, estatura baixa, carinhosa no jeito de tocar a minha mão e colar no meu peito os eletrodos para que fosse feito o eletrocardiograma, e imediatamente eu fui para a unidade coronariana do Hospital Paulistano.
Lembro-me de ter ouvido mais uma vez a palavra “Morte Súbita”, ouvi também a palavra “Arritmia Cardíaca” e depois não me lembrei de mais nada.
TRECHO DO LIVRO